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Cientistas recomendam cautela no uso da aspirina contra doenças cardíacas

Análise com dados de 164 mil pessoas mostra que substância reduz risco de eventos cardiovasculares em 11%, mas aumenta o de sangramento em 47%

Todos os anos, mais de 55 milhões de pessoas morrem em decorrência de enfermidades cardiovasculares, a principal causa de óbitos no planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Há décadas, a medicina lança mão de um método preventivo que, além de barato, é fácil de aderir: um ou mais comprimidos de aspirina por dia. Embora bem estabelecida para evitar recorrência em pacientes que já apresentam problemas cardiovasculares, alguns estudos indicam que o ácido acetilsalicílico não é eficaz para proteger indivíduos sem histórico de doenças cardíacas. Outros sustentam que tomar o medicamento diariamente pode aumentar o risco de sangramento naqueles que fazem uso apenas preventivo da droga.

Agora, pesquisadores do Kings College London e do Kings College Hospital, na Inglaterra, fizeram uma revisão de 13 estudos clínicos com 164 mil participantes que analisavam o potencial preventivo da aspirina. Os resultados sugerem que, enquanto o uso do comprimido está associado a uma redução de 11% no risco de eventos cardiovasculares (morte, infarto não letal e derrame não letal), ele também relaciona-se a um aumento de 47% de casos de sangramento. Os autores destacam que, enquanto se trata de uma avaliação observacional, ou seja, não se investigou causa e efeito, a prescrição do medicamento como método de prevenção tem de ser bem discutida entre médicos e pacientes.

“Não existem evidências suficientes para recomendar rotineiramente a aspirina a fim de prevenir ataques cardíacos, mortes e acidentes vasculares em pessoas sem doenças cardiovasculares”, observa o principal autor do estudo, Sean Zhen, pesquisador do Kings’s College London. “É incerto o que deve ser feito no caso de paciente em alto risco de doenças cardiovasculares e diabetes. Esse estudo mostra que, enquanto os eventos cardiovasculares podem ser reduzidos nessas pessoas, os benefícios têm a contrapartida do risco maior de hemorragias. O uso da aspirina nesses casos tem de ser discutido, com médicos informando que os benefícios para o coração são pequenos, enquanto há um risco real de sangramento severo”, observa.

A indicação da aspirina como preventivo de eventos cardiovasculares em pessoas sem doenças cardiológicas foi sugerida pela primeira vez em 1989, no Physicians’ Health Study, uma pesquisa que envolveu 22 mil participantes acompanhados por 60 meses. Seis estudos seguintes com esse mesmo perfil indicaram uma redução de 12% no risco de um primeiro evento e de 22% como prevenção secundária (evitar um novo derrame/infarto em quem já havia passado por isso). Porém, ao mesmo tempo, esses trabalhos indicaram um aumento no risco de hemorragias gastrointestinais. Isso acontece porque o ácido acetilsalicílico impede que uma enzima chamada COX-1 produza uma substância que mantém a integridade do revestimento estomacal. Ao tomar o remédio em doses altas — necessárias para que ele ajude a afinar o sangue e impeça a formação de coágulos —, a mucosa da parede do estômago afina e faz com que o suco gástrico irrite o órgão.

“Devido aos eventos de sangramento causados principalmente entre pacientes de baixo risco cardiovascular incluídos na maioria dos estudos sobre prevenção primária, não há um consenso sobre essa indicação”, explica Michael Graziano, da Divisão de Envelhecimento do Brigham e Women’s Hospital da Faculdade de Medicina de Harvard, em um editorial publicado na revista Jama, na qual o estudo do Kings College London foi divulgado. Por isso, nem todas as sociedades médicas recomendam a aspirina para esses fins. A Sociedade Europeia de Cardiologia, por exemplo, não faz essa indicação, diferentemente da Força de Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA. No Brasil, a Sociedade de Cardiologia faz a recomendação de baixas doses do medicamento (menos de 100g/ao dia) quando o paciente apresenta condições que podem predispor a doenças cardiovasculares, como doença arterial obstrutiva.
Terceira idade

Idosos devem ser mais cautelosos ainda, afirma Peter Rothwell, pesquisador da Universidade de Oxford. Em 2017, ele publicou um estudo na revista The Lancet indicando que, em pessoas acima de 75 anos, o uso diário da aspirina em longo prazo pode causar sangramento letal e deveria ser evitado mesmo como prevenção secundária. “Sabíamos, há algum tempo, que a aspirina aumenta o risco de sangramento em idosos. Mas no nosso estudo tivemos uma compreensão melhor do tamanho desse risco e da severidade das hemorragias”, afirma.

A pesquisa foi feita com 3.166 pacientes que já haviam sofrido derrame ou infarto e receberam prescrição de aspirina. Metade tinha mais de 75 anos no início do estudo. Ao longo de 10 anos, 314 pessoas deram entrada em hospitais com sangramento. Entre aqueles com menos de 65, a taxa anual de internações foi de 1,5% ao ano. Esse índice aumentou para 3,5% no caso das pessoas acima de 75, e chegou a 5% entre aqueles com mais de 85. O risco de morrer em decorrência da hemorragia variou de 3% (75 a 84) até 25% (acima de 85 anos).

“O uso da aspirina nesses casos tem de ser discutido, com médicos informando que os benefícios para o coração são pequenos, enquanto há um risco real de sangramento severo”. Sean Zhen, pesquisador do Kings’s College London.

Fonte: Paloma Oliveto/Correio Braziliense 

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