A pressa: uma doença do nosso tempo

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A pressa: uma doença do nosso tempo

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Em que momento da vida contemporânea a pressa começou a ser valorizada? Todos os veteranos que consultei, estão convencidos que foi na segunda metade do século XX e se socorrem nesta argumentação da lembrança nostálgica de uma época marcada por conversas recheadas de pausas silenciosas e reflexões sonolentas.

Os jovens não vão acreditar, mas as pessoas se visitavam, e havia um ritual que não podia ser quebrado sob pena de melindres, porque a pressa era sinal de má educação. As refeições eram exercícios de delicadeza na espera de pratos alternados com tamanha parcimônia, que era possível fazer a digestão entre eles. Os jornais de dias passados eram lidos e comentados com a naturalidade de quem não se irritava com notícias requentadas. Aliás, a primeira coisa que meu avô fazia eram as palavras cruzadas, como a dizer que tudo mais podia esperar. Sem os instrumentos atuais da comunicação instantânea, não havia notícia velha. Tudo era novidade porque até o envelhecer demandava um tempo maior. Não havia horário de verão porque os finais de tarde eram o momento de jogar conversa fora, e mais ou menos luz não afetava nada, e muitos acreditavam até que as gargalhadas no escuro eram mais divertidas. Ninguém precisava sair mais cedo para evitar engarrafamentos, porque eles eram exclusividade de carreata política, procissão ou carnaval, e então se ouviam buzinas que não significavam irritação, mas a alegria de compartilhar. As pessoas que queriam reivindicar alguma coisa também iam para rua, mas eram mais racionais: ninguém pensaria em conquistar adeptos à sua causa, atazanando a vida de quem não tem como resolver o problema. A desinteligência de mostrar que se está infeliz, infelicitando a vida de quem não tem nada com isto, veio bem depois, com ares de originalidade.

Meus tios-avós jogavam xadrez, um jogo talhado à meditação, incluindo pausas ilimitadas que permitiam que o parceiro fosse ao mercado, enquanto o desafiado ficava maquinando a próxima jogada, que algumas vezes chegava tresnoitada, e ninguém se incomodava.

De repente, o mundo acelerou, e todo o resquício de solenidade morreu quando alguém entrou num boteco moderno que depois passou a se chamar fast food e comeu em pé, tendo sido logo depois superado por outro tipo, que comprou um cachorro quente e saiu mastigando pela rua.

Mais ou menos nesta época nasceu o “vamos lá!” como um mantra da vida moderna, sem que soubéssemos bem para onde ir. Em seguida, sumiu o tempo da conversa fiada. O olho no olho foi substituído pelo visor colorido do smartphone e os amigos foram convertidos em seguidores, sem identidade definida. Conta-se até que naquele curto período em que o WhatsApp foi suspenso por uma estapafúrdia ordem judicial, houve pânico entre os digitadores que tiveram que conversar, e quase ninguém mais lembrava de como se fazia isto. Os avanços também serviram para criar uns paradoxos: os deslocamentos na cidade, que deveriam ser favorecidos pelos veículos mais rápidos, esbarraram nos congestionamentos e, segundo dados do World Watch Institute, a lerdeza dos traslados nas grandes metrópoles em 2000 era exatamente igual a de 1900, pois os engarrafamentos atuais equipararam os veículos velozes às carruagens do século XIX.

A curiosa noção de que progresso significa que tudo seja realizado em tempo mínimo, serviu para aumentar o estresse, em um processo em que o trânsito passou a funcionar como uma usina de ansiedade, comprometendo saúde e qualidade de vida. Visto como um dos principais geradores das doenças cardiológicas e maior causa de morte na população com menos de 60 anos, o estresse precisa ser urgentemente prevenido com a noção básica de que, como já alertou um desacelerado assumido, é preferível chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro.

J.J Camargo

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