Opinião: Professor da UFRGS e Membro Titular da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina, Gilberto V. Barbosa
O vírus invisível, que viajou em altíssima velocidade, partindo da Ásia e chegando a todos os continentes, colocou de joelhos países de reconhecida capacidade econômica, científica e tecnológica. Altamente contagioso, de comportamento errático e imprevisível, sem respeitar classe social nem faixa de idade, atingiu rapidamente grande extensão do nosso território. Ceifou vidas preciosas, e impôs sofrimento físico e psicológico a todos os brasileiros, impactando nossa forma de viver, e colocando em alerta máximo a rede pública e privada de saúde. O Ministério da Saúde, montou uma operação de guerra, envolvendo estados e municípios, com o objetivo de evitar o colapso desses sistemas, ocorridos em outros países. A análise diária, do comportamento desse vírus, sobre os infectados, produzindo síndromes clínicas de leves a muito graves orientaram os gestores nas ações de enfrentamento dessa pandemia. Obedecendo diretrizes da OMS, adotou as ações de eficácia comprovada: isolamento e distanciamento social, higienização frequente das mãos com água, sabão e álcool gel, uso de máscaras faciais e preparo da rede assistencial de cuidados médicos.
O isolamento social, apesar de impactar nosso ritmo de vida, fez as pessoas conviverem mais tempo em suas residências, com filhos, pais e avós, abrindo espaço para conversar, resgatar momentos de felicidade, ler, ouvir música, exercitar o autoconhecimento, cuidar dos idosos, enfim, descobrir que a família é uma estufa de amor. Os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas estimam que 30% dessas pessoas envoltas na quarentena, descobriram que trabalhar em casa é produtivo e decidiram continuar a fazê-lo, evitando deslocamentos desnecessários, reduzindo o fluxo de automóveis nas ruas e suas consequências. Lavar com frequência as mãos e usar máscaras, medidas protetivas para evitar contágio, podem, tornarem em hábitos de higiene permanente, em especial no inverno, reduzindo drasticamente as taxas de internação por enfermidades infecciosas. A pandemia trouxe enorme pressão sobre as estruturas existentes de acolhimento, diagnóstico e tratamento desses pacientes, na rede pública e privada, desencadeando um processo nunca visto de aumento de leitos e unidades hospitalares.
O Brasil em 2019 tinha um total de 410 225 leitos na soma de públicos e privados e agora exibe 426 380. A esses, se somam 15 mil novos leitos, disponibilizados em 42 hospitais de campanha montados em 15 estados, uma excelente ideia para desafogar os hospitais tradicionais. Nosso país tem 5570 municípios( a maioria com menos de 50 mil habitantes) e somente 557 (10%) deles possuem Unidades de Terapia Intensiva. Os leitos dessas unidades, onde se trava a frente mais dura dessa batalha pela vida, cresceram em 20,2% totalizando 59 695( adultos +pediátricos). O SUS tem 7 leitos, e o setor privado 32,5 por 100 000 habitantes. O número de respiradores mecânicos, essenciais para controle da síndrome respiratória aguda (SARS-CoV-2) aumentou drasticamente, somam no momento 65 411, e outros 15 000 em aquisição serão disponibilizados aos estados e municípios. Tudo isso, com dinheiro público das várias esferas de governo, e privado provindo de empresas, bancos, pessoas e entidades civis, numa corrente sem precedentes de comprometimento com a vida.
A indústria brasileira reprogramou-se para atender a grande demanda por equipamentos hospitalares essenciais. Produzindo camas hospitalares, respiradores, monitores de sinais vitais, oxímetros, bombas de infusão de medicamentos, luvas, máscaras e roupas de proteção individual, e a produção acelerada de insumos como, desinfetantes, álcool gel, entre outros materiais. Manteve empregos e sua sobrevivência em plena crise ajudando a salvar vidas. A herança dessa expansão da infraestrutura tecnológica será de grande valia para ajudar a corrigir a falta crônica de leitos, equipamentos e pessoal sentida diariamente pela população há muito tempo. O sistema de saúde público brasileiro, o SUS, mostrou porque é o “maior programa de inclusão social do mundo”, sendo o principal meio de atendimento em massa dos pacientes acometidos dessa grave virose.
Mesmo cronicamente assoberbado com pacientes acometidos de outras doenças de alto risco, que compõem a conhecida epidemiologia do país, apresentou-se com uma força exuberante na de frente de combate a essa virose. Tornou-se um exemplo de competência para a comunidade internacional. Será o herdeiro legítimo dessas novas unidades e equipamentos, aumentando seu poder de acolhimento e resolutividade essenciais para 162 milhões de brasileiros, sem planos de saúde privados. Os profissionais da saúde assumindo todos os riscos, trabalhando num ambiente de altíssima carga viral, e expostos a mais tempo ao vírus, tornaram-se os heróis no combate direto na linha de frente desse implacável inimigo. A sociedade em geral, com o gesto de aplaudi-los, mostrados nas televisões do mundo inteiro, sinalizaram o respeito e gratidão, por essa, entre outras importantes categorias de profissionais que realmente tem relevância para as pessoas nos momentos mais críticos de sua existência. As grandes instituições de pesquisa e seus pesquisadores se lançaram em múltiplos projetos, buscando desvendar a estrutura e o comportamento da COVID-19, na busca de vacinas e medicamentos capazes de contê-lo ou reduzir sua letalidade. No devido tempo, e com a cautela necessária, teremos essas respostas da ciência com benefícios diretos a toda comunidade.
Uma enorme corrente de solidariedade e humanismo do nosso povo, eclodiu em socorro dos desassistidos provendo alimentos e insumos de proteção de forma espontânea na sociedade. A imprensa, com a força de todas suas mídias e profissionais competentes, abriu generosos espaços informando de forma responsável as medidas de proteção e o comportamento dessa virose, prestando um serviço inestimável a população numa verdadeira cruzada pela vida.
Independente do que irá acontecer nos próximos meses, essa pandemia vai trazer mudanças duradouras e fundamentais na nossa sociedade. Assim como ocorreu no passado, na derrubada das torres gêmeas em Nova Iorque, que alterou definitivamente os cuidados com a segurança no mundo inteiro, esse vírus, de comportamento agressivo, que veio para ficar, vai fazer todos os países repensarem seus sistemas de saúde. Haverá permanente pressão por maiores investimentos em programas e estruturas de saúde, do que liberar dinheiro público para acordos com políticos, e dessa vez, as pressões não virão das classes sociais menos favorecidas e sim das mais esclarecidas e afortunadas. O novo Covid-19, que trouxe tanto sofrimento a humanidade, colapsando a economia do mundo, expôs a fragilidade de sistemas de saúde de países ricos alertando seus gestores, que a maior riqueza de uma nação é a saúde e a vida de seu povo.
Gilberto V. Barbosa
Professor da UFRGS e Membro Titular da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
gilbertobarbosa@ibest.com.br
Inscreva-se no formulário ao lado e receba novidades sobre eventos, notícias e muito mais!
Telefone: (51) 3014-2001
E-mail: amrigs@amrigs.org.br
Av. Ipiranga, 5311 - Porto Alegre/RS
CEP: 90610-001
©2024 - AMRIGS - Associação Médica do Rio Grande do Sul. Todos os direitos reservados.