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O que oferecer, quando não há o que

J.J Camargo

Tinha sido uma noite difícil, com os marcadores de infecção progressivamente piores, a frequência cardíaca alta, a pele pegajosa, e a dificuldade de obter-se um equilíbrio entre o nível de sedação do Luciano e o regime ventilatório proposto para a máquina. O cansaço físico é um mau conselheiro porque multiplica desânimos, e por mais que me esforçasse para encontrar uma notícia que prenunciasse alguma mudança de rumo, minimamente otimista, tudo dizia que não.

A mãe, viúva, uma mulher muito bonita, com uma elegância que desafiava a tristeza do momento, levantou-se quando saí da UTI e com um neto em cada mão, preparou-se para ouvir. Metade pelo desespero de poupá-la, e metade porque não conseguiria dizer o quanto o pai estava mal aos seus filhos adolescentes, escorreguei por uma esperança mentirosa.

Interpretando a mensagem positiva como uma frágil trégua na novidade assustadora do sofrimento, os garotos ganharam da avó o direito ao pátio ventoso.

Sem outras testemunhas, a mãe do Luciano, me abraçou para agradecer: “Obrigado doutor, por me dar um tempo extra para preparar os meninos. Quando vi o seu ar de desânimo saindo da UTI, mais do que temer a verdade integral, eu entendi naquele instante que meus netos não suportariam o baque de perder o pai. Agora, vou ter que achar um jeito de administrar a revolta. Só me diga que tempo ainda terei para isso”.

Para mim, aquela conversa foi reveladora do quanto o jeito de sofrer é individual e intransferível. Pensaria sempre numa mãe de único filho, como o ponto fraco da cadeia familiar do sofrimento, mas ela estava lá, impávida, choro por dentro e rocha por fora, porque alguém precisava manter o equilíbrio e preservar nos netos, pelo tempo que fosse possível, o que ela já perdera no filho: a esperança.

A verdade absoluta, que não pode ser omitida da família ou de quem a represente, não pode ser imposta ao paciente sem que ele tenha manifestado o desejo explícito de conhecê-la. E ainda assim, não se pode esquecer que, muitas vezes, no desamparo da situação, a pergunta direta “Eu vou morrer, doutor?” tem apenas a pretensão desesperada de ouvir a negação confortadora.

A ideia recorrente de que o paciente precisa ser preparado para o pior é uma tolice. Nascemos para a felicidade, e, portanto, toda a tragédia sempre nos surpreenderá. Antecipar a amargura do futuro só significará sofrer mais, por começar antes.

Toda a informação infausta em um único pacote é, antes de tudo, crueldade. Ninguém tem todos os escudos de defesa disponíveis no primeiro instante de um enfrentamento que precisará ser amadurecido com a solidariedade dos amados, o ombro dos amigos, a confiança nos médicos, e qualquer outro recurso, mais subjetivo, incluindo fé e negação.

A sensibilidade médica é o maior requisito para transitar neste terreno movediço. E ela deve se expressar pela capacidade de filtrar informações desnecessárias, de evitar propostas falsas de tratamentos milagrosos, e de jamais abrir mão da oferta de parceria. Porque não há nada mais generoso neste transe de dor, do que o paciente saber, sem que ninguém lhe tenha dito que, mesmo quando não houver mais nada para fazer, o doutor que foi capaz de plantar nele esta confiança, ainda estará ao seu lado. Porque isso é tudo que se espera de um parceiro.

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